Imagine uma casa recém construída. Como toda casa, esta possui também algumas falhas: em especial, uma porta sem fechadura. Por não ter fechadura, a porta só pode ser encostada. Situações como ventanias, tempestades ou mesmo ações de pessoas sobre a porta fazem ela se abrir facilmente. Com o tempo, isso pode se tornar um grande problema, pois uma porta que não pode ser trancada aumenta os riscos e os perigos para os habitantes da casa.
Cansado dos problemas por ter uma porta que não tranca, o dono da casa resolveu se proteger: passou a vigiar mais a porta, pedir ajuda de outras pessoas para cuidar dela, criar estratégias para contê-la e planejar como lidar com possíveis situações difíceis.
Esta metáfora problematiza o conceito de cura na terapia. A “casa” somos nós, seres humanos, que nascemos com vulnerabilidades biológicas, psicológicas e/ou sociais importantes. Isso é o que, na área da saúde, chamamos de predisposições. As nossas predisposições para o desenvolvimento de problemas de saúde se caracterizam como a “porta sem fechadura”, que em combinação com as nossas experiências de vida podem desencadear o surgimento ou agravo dos problemas de saúde. Muitos desses problemas são passageiros, já outros podem ter longa duração e permanência.
Sempre que um paciente me pergunta vai ficar curado, costumo devolver outra pergunta para ele: “O que significa ficar curado para você”? A resposta mais frequente é “se livrar dos sintomas e não voltar a senti-los”. Na melhor das hipóteses, isso seria o ideal! Mas quando se trata da realidade diante dos desafios da vida, nos deparamos com situações imprevisíveis, mutáveis e complexas que não estão sob o nosso absoluto controle. Partindo deste ponto, podemos pensar que não ter absoluto controle sobre as coisas não significa ausência de controle. Não podemos controlar o inevitável, mas podemos modificar o que pode ser mudado. Uma atitude passiva é tão prejudicial quanto uma tentativa de controle absoluto.
“O que significa ficar curado para você”? A resposta mais frequente é “se livrar dos sintomas e não voltar a senti-los”. Na melhor das hipóteses, isso seria o ideal! Mas quando se trata da realidade diante dos desafios da vida, nos deparamos com situações imprevisíveis, mutáveis e complexas que não estão sob o nosso absoluto controle.
O que quase sempre pode ser mudado somos nós (nossos pensamentos e atitudes). Por exemplo, uma pessoa com diabetes pode ter alterações glicêmicas recorrentes ao longo da vida, mas a forma como ela entende sua doença, seu tratamento, o uso das medicações, a alimentação saudável e a pratica de exercício físico muda completamente e de forma positiva a experiência da situação. É provável que nestas circunstâncias, essa pessoa consiga viver com melhor qualidade de vida – inclusive aqueles que não tem diabetes, porém não se cuidam, também experimentariam uma vida melhor se realizassem tais cuidados.
No que se refere quadros psicológicos e/ou transtornos mentais, a mesma ideia se aplica. Podemos tomar como exemplo uma pessoa com transtorno de pânico que sempre que percebe reações fisiológicas, como o coração acelerado, acreditam que vão morrer, ter um ataque do coração, passar mal, ou perder o controle. Com isso, experimenta um pico de ansiedade marcado por medo intenso. Inevitavelmente, essa pessoa não conseguirá fazer com que suas reações fisiológicas desapareçam para sempre. Contudo, poderá aprender como lidar com suas reações através reestruturação de suas crenças e modificação de suas estratégias comportamentais.
Mas afinal, o que é saúde?
O conceito de saúde é muito complexo e é, até hoje, um desfio para os cientistas e profissionais dessa área. A Organização Mundial de Saúde (OMS) define a saúde para além de ausência de doença, como o “completo” bem-estar físico, mental e social dos sujeitos. Estas definições são bastante questionadas e consideras insuficientes e confusas para se pensar nos cuidados em saúde. Posto isso, é questionado se esse conceito, ao invés de uma coisa ou outra, não seria uma harmonia com variações entre o sujeito e sua realidade (SEGRE e FERRAZ, 1997).
A partir destas considerações é possível refletir que se ter uma doença, mesmo que com duração e desenvolvimento prolongado, não é uma barreira intransponível para ter qualidade de vida. Levando em consideração os aspectos negativos de ter uma doença ou sintomas desconfortáveis, é possível fazer alguma coisa em direção a qualidade de vida, alívio, recuperação e adesão ao tratamento.
Qualidade de Vida x Ausência de Doenças
A Terapia Cognitivo-Comportamental é o tratamento psicológico com muitas evidências científicas de sua eficácia no tratamento sintomas e/ou doenças como por exemplo, o Transtorno Depressivo Maior, os Transtornos Ansiosos e os de Transtornos de Personalidade. É verificado também sua eficácia no tratamento multidisciplinar de doenças médicas de longa permanência e desenvolvimento prolongado (crônicas) como Diabetes, Hipertensão, Cardiopatias, Doenças pulmonares, Câncer e etc. promovendo melhor adesão ao tratamento, uso das medicações e promoção de qualidade de vida. Nesses casos crônicos, o maior objetivo da Terapia é a mudança do estilo de vida para que o sujeito tenha qualidade de vida e autonomia frente seus problemas. É quando você consegue dar conta e funcionar mesmo tendo uma “porta sem fechadura”.
Diante dessas considerações, podemos concluir que falar de cura não é tão simples quanto parece. Ela envolve diretamente a noção do que é saúde - o que, por sua vez, é bastante complexo. As definições de saúde como ausência de doenças ou mesmo o “completo” bem estar físico, mental e social do sujeito são questionadas pela pouca utilidade e reconhecimento na realidade da vida das pessoas. Ao contrário destes extremos, questiona-se se a saúde não poderia ser entendida como uma harmonia variável entre o sujeito e sua realidade.
Nesse sentido, saúde pode ser compreendida como um estado (que pode se modificar por vários motivos) e não como uma condição eterna. Estas ideias permitem pensar na qualidade de vida como uma alternativa mais saudável e equilibrada da noção de cura como o desaparecimento definitivo e completo de situações desconfortáveis que quase sempre não estão sob o nosso controle absoluto. Tratar para “curar” pode ser cansativo e frustrante. Porem, tratar para “cuidar” pode ser uma fonte de aprendizado capaz de transformar a vida em algo positivo e estimulante.
Referência
SEGRE, Marco; FERRAZ, Flávio Carvalho. O conceito de saúde. Rev. Saúde Pública, São Paulo, 1997. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/S0034-89101997000600016. Acesso em: 25 Mar. 2019
Sobre o Autor
Jonathan Julio Macedo de Paula
Psicólogo, Pos-Graduando (lato sensu) em Psicologia Médica pela Faculdade de Ciências Médicas (FCM/UERJ) e cursando a Formação em Terapia Cognitivo-Comportamental (Ação Cognitiva). Graduado em Psicologia pela Universidade Estácio de Sá (UNESA). Terapeuta colaborador da Ação Cognitiva.
E-mail para correspondência: jonnathanjulio@hotmail.com
Comments